Reinventando
Quem foi o brincalhão que reinventou a palavra 'felicidade'?
Ser feliz é uma exigência, compre tudo, gaste tudo, exija tudo, faça tudo em busca desse psicoativo abstrato. Mas como toda droga, os efeitos tem um período de duração, pequeno ou maior, uma hora acaba e faz de seu usuário um eterno escravo.
Chego á conclusão que felicidade como uma constante é impossível, uma utopia pregada por nossa cultura consumista e superficial.
Felicidade: qualidade ou estado de feliz [Dicionário Aurélio]
Vejo-a como um pote de pequenas cápsulas, que são tomadas de vez em quando e só funcionam dependendo de pré-requisitos como humor, situação financeira, capacidade de esquecer, capacidade de não pensar, capacidade de aproveitar o momento, autoestima.
Mas ás vezes esquecemos de tomar essas pílulas diárias, talvez por muitos dias seguidos, e então nosso 'eu' verdadeiro aparece, com toda nossa monstruosidade, egoísmo, chatice, cobranças, desespero. Se estabelece o estado da infelicidade, e nós, crianças grandes mal resolvidas e tremendamente deformadas que somos não nos conformamos: "tire essa sensação de dentro de mim!"
A receita para vencer a infelicidade não é se afogar em drogas, bebida, sexo, adrenalina, hobbies, conquistas, trabalho, religião cega.. porque a infelicidade não está ali para ser vencida, e sim para dar um belo grito em nosso ouvido: há tempo pra tudo na vida.
Os momentos felizes servem para extirpar a verdadeira constante da vida: o vazio.
Há os que não aguentam a falta da cápsula de felicidade, eu prefiro conviver bem e aproveitar bem esses momentos, dissecar o momento, é quando se dá um grande mergulho dentro de si mesmo.
Da expectativa de felicidade vem as maiores frustrações, acho que escrevi em algum lugar desse blog sobre o documentário de Alain de Botton abordando Sêneca, em resumo, um nobre em Roma deu uma festa, com convidados ilustres, tudo deveria estar perfeito, até que um serviçal derrubou uma bandeja e quebrou alguns copos. A reação do nobre anfitrião? Jogou o serviçal trapalhão num poço para ser devorado por feras. Sêneca observou que esse nobre vivia num mundo [sua realidade] em que copos de vidro não se quebram.
Ou seja, diante da maior variável da vida, a infelicidade, podemos agir como uma pessoa que entende a existência do sofrimento, quedas, tristezas, doenças, ou agir como o irracional nobre e jogar tudo pelos ares.
A felicidade é linda, e acredito nela, apenas não me dou ao luxo de achar que é nossa constante.
"Toda a poesia - e a canção é uma poesia ajudada - reflete o que a alma não tem. Por isso a canção dos povos tristes é alegre e a canção dos povos alegres é triste"
Fernando Pessoa